ANALISE DO SOLO: CONSIDERAÇÕES SOBRE AMOSTRAGENS EM PROFUNDIDADE
1- INTRODUÇÃO
Percorrendo o "corn belt" americano dá para bem sentir as diferenças apresentadas pela agricultura na área mais produtiva dos EUA e a praticada no Brasil.
Na literatura sobre fertilidade do solo são clássicos os livros de Tisdale & Nelson; Bear; Thompson; Millar, Turk e Foth; Black entre outros, quase todos com experiência profissional naqueles solos. E como país líder na produção de alimentos, os EUA têm os seus centros de pesquisa e de ensino, freqüentados por cientistas e estudantes, de todo o mundo, em busca de informações e aprimoramento técnico. Consequentemente, a influência da tecnologia americana de produção agrícola faz-se sentir em muitas partes do globo, não sendo o Brasil, uma exceção. E assim, práticas agrícolas desenvolvidas para condições de solos de clima temperado, são para cá transferidas, às vezes, sem o devido questionamento, se realmente são as mais convenientes para nossas condições de agricultura tropical.
2- AGRICULTURA DOS TRÓPICOS E DAS REGIÕES TEMPERADAS
O livro de Thorne, D.W. e M.D. Thorne (1979) - "Soil, water and crop production" - entre outros tópicos, aborda os sistemas de produção agrícola para as diferentes zonas climáticas do mundo. Resumiremos algumas características dos sistemas de produção agrícola nas zonas temperadas, úmidas e frescas e nos solos ácidos da América Tropical úmida, apresentadas neste livro, que serão objetos de algumas considerações posteriores.
2.1. Características da Zona Temperada Úmida Fria
(1) Área geográfica:
Europa (exceto Espanha, Portugal, parte da Itália e dos Balcãs), maior parte da URSS, Norte do Japão, Parte da Coréia, Norte da China, pequenas áreas da Austrália, Nova Zelândia, Tasmânia e Chile, "corn belt" dos EUA, parte inferior do Canadá.
(2) Solos da zona:
Solos em geral altamente produtivos, com alto conteúdo de matéria orgânica e grande suprimento de nutrientes. Incluem principalmente os molissolos e alfissolos, com alguns espodossolos, ultissolos, entissolos e histossolos. Quando limpos da vegetação nativa e colocados sob cultivo intenso, podem dar produtividades satisfatórias sem fertilizantes, por muitos anos. Em geral são solos de média à altamente ácidos e a calagem é geralmente necessária.
A capacidade de retenção de água é alta e a pluviosidade é tal que as condições de umidade do solo são favoráveis para as culturas de verão. Excesso de água pode ser um problema, particularmente na primavera e no outono. Práticas de drenagem de superfície e/ou de sub-superfície podem ser necessárias. Com drenagem adequada, estes solos podem ser lavrados muito facilmente na faixa ótima de umidade e mantêm uma estrutura favorável para o desenvolvimento das raízes.
(3) Restrições à produtividades elevadas:
Provavelmente a mais comum e a mais séria limitação para altas produtividades nesta zona é a umidade excessiva. Chuvas excepcionalmente pesadas e/ ou prolongadas na primavera, tornam difícil o plantio na época correta. O período ótimo para a semeadura é bem no início da primavera para as partes da zona mais perto do equador e mais tardio a medida que se aumenta a latitude. Semeadura após este período ótimo resulta num decréscimo na produtividade do milho ou da soja. Apesar da topografia ser relativamente plana, muitas propriedades agrícolas possuem depressões na superfície, que tendem à encher de água durante as pesadas chuvas e as armazenam por vários dias. Nestas áreas, o preparo do solo e a semeadura devem, sem dúvida, ser adiados.
A seca pode ser também uma limitação para altas produtividades na zona temperada úmida fria. Embora o balanço global de umidade seja bastante favorável, quase todo ano tem um ou mais períodos quando as culturas sofrem de estresse de água. Secas periódicas de vários meses de duração podem ser encontradas, quando então as safras são significantemente reduzidas. Quedas na safra logicamente são mais severas nos solos arenosos, devido às menores capacidades de armazenamento de água.
A erosão do solo pode ser uma limitação séria para a manutenção de alto nível de produtividade nesta zona.
2.2. Características da América Tropical Úmida de Solos Ácidos.
(1)Área geográfica:
Trópicos úmidos são aquelas áreas dos mais de 1.500 mm de precipitação anual. Cobrem aproximadamente 50% dos trópicos ou 2.450 milhões de hectares de terra. Na América Tropical esta região úmida ocupa cerca de 780 milhões de hectares.
(2) Solos da zona:
São solos extremamente intemperizados, ácidos e inférteis, representados pelos oxissolos e ultissolos.
Oxissolos são os mais comuns cobrindo 22,5% e 43,3%, do mundo tropical e da América Tropical, respectivamente. São solos geralmente profundos e bem drenados, de propriedades uniformes ao longo do perfil, estrutura granular firme, baixa fertilidade e cor vermelha ou amarela. As excelentes propriedades físicas dos oxissolos permitem o cultivo quase que imediatamente após a chuva; a estrutura granular do solo permite uma rápida infiltração da água e consequentemente estes solos não são erodidos rapidamente, exceto durante períodos de intensa chuva. Contudo, o conteúdo de água disponível dos oxissolos é menor que o seria indicado pelo seu alto conteúdo de argila se comparado com solos menos intemperizados das áreas temperadas.
Ultissolos cobrem 11,0 e 19,1% do mundo tropical e da América Tropical, respectivamente. São solos em geral profundos, com propriedades não uniformes com a profundidade, baixos teores em materiais intemperizáveis e em saturação de bases; têm baixa fertilidade, e são de cor vermelha ou amarela. Os ultissolos têm textura mais grosseira na superfície e menor permeabilidade que os oxissolos.
(3) Restrições à produtividades elevadas:
Oxissolos (Cerrados)
Os fatores de solo mais limitantes à produção agrícola nos oxissolos (sob vegetação de cerrado) são relacionados com a umidade e a fertilidade do solo.
Umidade As culturas são conduzidas nestes oxissolos durante a estação das chuvas, que ocorrem geralmente do Outubro a Abril. No entanto, "veranicos" de até duas semanas de duração podem ocorrer, os quais afetam consideravelmente a produtividade, principalmente quando coincidem com estádios críticos do desenvolvimento das plantas. A baixa capacidade de retenção de água dos oxissolos intensifica mais ainda este problema pois a umidade armazenada no solo é insuficiente para as culturas resistirem à seca. Uma seca de apenas 7 dias durante a estação chuvosa, pode reduzir a produção de milho em mais de 50% se ela ocorrer por ocasião do florescimento.
Fertilidade do Solo para tornar mais agudo o problema de déficit hídrico, existe ainda nos oxissolos uma generalizada baixa fertilidade manifestada por excesso de alumínio, deficiência e fixação de fósforo, além de deficiências de elementos como o nitrogênio, cálcio, magnésio, potássio e o zinco, entre as que ocorrem mais comumente.
A toxicidade do alumínio que se torna mais pronunciada no subsolo, inibe o desenvolvimento radicular em profundidade. Quando ocorrem os "veranicos", o sistema radicular pouco desenvolvido das plantas não atingindo a água do subsolo, torna-as mais adversamente afetadas que o esperado, caso ele fosse mais profundo. RITCHEY et alii (1982) mostram que em muitos oxissolos a falta de cálcio no subsolo tem limitado o desenvolvimento do sistema radicular mais do que a toxicidade do alumínio.
2.3 Ultissolos (da Floresta Amazônica)
Os principais problemas da agricultura nos ultissolos (da Floresta Amazônica) estão relacionados à compactação do solo, causada pelos equipamentos pesados utilizados por ocasião da derrubada da floresta e à rápida perda da fertilidade do solo.
3- FATORES DE SOLO AFETANDO A PRODUTIVIDADE AGRÍCOLA NAS DUAS ZONAS
A principal restrição à produtividade elevada na agricultura da Zona Temperada Úmida Fria é a umidade excessiva do solo. Assim foi desenvolvida uma tecnologia agrícola, para manter o solo na faixa adequada de umidade, pelo controle do seu excesso através da drenagem.
Pode-se dizer, de maneira bastante generalizada, que a principal camada do solo a ser explorada pela planta nestas condições é a superficial. E isto justificaria as práticas em se manter apenas esta camada de solo com altos níveis de fertilidade onde então as plantas não teriam problemas hídricos, para explorar a potencialidade nutricional da mesma. Presumimos que devido a este fato, houve uma tendência dos pesquisadores, na área de fertilidade do solo, em somente estudar a camada de 0 - 20 cm de profundidade e em não dar a devida atenção para as camadas mais profundas.
A transposição pura e simples do que se faz em fertilidade naquela agricultura para condições de oxissolos de cerrado, nos parece ser bastante danoso, principalmente se considerarmos o problema de déficit hídrico nos nossos solos.
BOULDIN (1979) mostra na Tabela 1, a que profundidade deveria estar o sistema radicular para superar "veranicos" de diferentes intensidades supondo-se o solo inicialmente na capacidade de campo e uma evapotranspiração de 6 mm/dia.
Tabela 1- Profundidade do solo (inicialmente na capacidade de campo) necessária para suprir 6 mm de evapotranspiração para determinados períodos de dias sem chuva (BOULDIN, 1979).
Dias consecutivos de chuvas | Freqüência em Brasília | Latossolo Vermelho Escuro (cm) |
8 |
3 vezes / ano |
40 |
10 |
2 vezes / ano |
50 |
13 |
1 vez / ano |
65 |
18 |
2 vezes em 7 anos |
90 |
22 |
1 vez em 7 anos |
110 |
Verifica-se em oxissolos sob cerrado que para superar "veranicos" da ordem de 13 dias sem chuva, que ocorrem pelo menos 1 vez ao ano é necessário que o sistema radicular esteja com mais da 65 cm de profundidade.
Em outras palavras, uma agricultura produtiva e segura, em condições de solos de cerrado só será obtida se tivermos plantas com sistema radicular bastante profundo e capaz de utilizar a água do subsolo. Para tanto é preciso que se estude os fatores físicos, químicos e biológicos limitando o desenvolvimento destas raízes em profundidade. Felizmente, os oxissolos apresentam boa estrutura ao longo do perfil, estando os principais fatores limitantes, relacionados com a fertilidade do solo, principalmente a toxidez de alumínio e o baixo nível de cálcio.
Assim parece-nos bastante útil analisar o solo, para fins de fertilidade, pelo menos até 80 cm de profundidade, a fim de identificarmos os elementos químicos que estariam restringindo o sistema radicular.
Estudos efetuados em centros de ensino e pesquisa como o CPAC EMBRAPA (Edson Lobato, K.D. Ritchey, J.E. Silva, U.F. Costa e outros), UNESP Jabotícabal (G.C. Vitti, M.E. Ferreira, D. Fornasieri Filho e outros), ESALQ USP (E. Malavolta e outros), IAPAR (M. A. Pavan e outros), ESAL Lavras (A.S. Lopes e outros), IAC (B. van Raij, J.A. Quaggio e outros), entre outras mais instituições no Pais, vislumbram a possibilidade de manejar quimicamente o solo à nível de subsolo, através do uso da calagem associada à gessagem (uso do gesso).
O Prof. Malavolta, da ESALQ consultando seus apontamentos de estudante, informou-nos que em 1947 nas suas aulas o Prof. José de Mello Moraes recomendava que se fizesse amostragens de 0 - 30 cm e 30 - 60 cm da de profundidade e que isto se devia principalmente à influência da escola européia, fruto talvez das experiências nas possessões coloniais nos trópicos. Já mais recentemente, com o aumento da influência das universidades americanas passou-se a analisar para fins de fertilidade de solo apenas a camada de 0 - 20 cm.
À guisa de conclusão deixamos aqui a sugestão de se recomendar amostragens do solo em profundidade, para identificar os fatores afetando o desenvolvimento do sistema radicular no subsolo. Considerando a pequena despesa que esta análise representa comparada aos outros itens envolvidos na produção agrícola e o beneficio que terá em termos de maior produtividade através da eliminação destes f atores, esta despesa está mais do que justificada.
Artigo publicado pelo Instituto da Potassa & Fosfato (EUA) e Instituto Internacional da Potassa (Suiça), sob a responsabilidade do Eng Agr.0 T. Yamada, Piracicaba - n. 22 - JUNHO/83.
Literatura citada:
BOULDIN, D.R., 1979. The influence of subsoil acidity on crop yield potential. Cornell. International Agriculture Bulletin - 34, Cornell University, lthaca, New York.
RITCHEY, K.D., J.E. SILVA e U.F. COSTA, 1983. Calcium deficiency in clayey E horizons of savanna oxisols. Soil Sci. 133 (6): 378-382.
THORNE, D.W. e M.D. THORNE, 1979. Soil, water and crop production. AVI Publishing Company, Inc., Westport, Connecticut.